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segunda-feira, 8 de agosto de 2022

[0330] Relembrando textos do programa das Festas dos Capuchos (3 - 2006)

 Sobre as Festas de 2022, ver AQUI

Foto Joaquim Saial

Texto de 2006, inserido na publicação Programa das Festas

MOMENTOS CAPUCHAIS

Joaquim Saial

Momento 1 – Largada 

O barulho era atroador. A multidão concentrada em redor da praça acotovelava-se e ululava, acirrando o touro que – considerava ela –, com todo aquele aparato, melhor brilho traria à largada. A Alzira do Aleixo, ao saltar para um tractor, já partira o salto alto de um dos sapatos que calçara no casamento da filha; o velho Chico Carapeta tinha caído por duas vezes das tábuas, pelo que apresentava um galo na testa e levava repetidas vezes a mão ao cóccix; e o neto da Maria Quitéria não parava de chorar, devido a duas estaladas que ela lhe dera, por dizer «Ó avó, ê tenho medo do tôro!». Entretanto, o dito cujo rondava a fonte, arfando sedento, à procura da fresquidão que se desprendia das quatro bicas e da arca de água. Mas o líquido também era motivo de desejo de uma vespa que ele espantou com o rabo e logo de seguida se virou em looping até o atingir com certeira ferroada no cachaço. Vai daí, o animal desatou em correria louca na direcção da Rua de Cambaia, saltou o gradeamento de madeira e seguiu por ali abaixo, depois de partir três ou quatro esqueletos de espectadores próximos e outras tantas montras de lojas. Num último arranque, antes de atingir o Rossio, ainda embateu contra o Zé Feio, que vinha do mercado a comer uma tira de brinhol. E foi isso, a tal coisa amarela de que toda a gente em Vila Viçosa falou durante os meses seguintes, lembrada do que o bicho trazia espetado num chifre quando chegou à mata e entrou pelo restaurante «Os Cucos», sem pedir licença… 

Momento 2 – Concerto

Foi no concerto do Marco Paulo? Ou no do Roberto Leal? Há quem diga que foi no das espanholas Azúcar Moreno, mas como a lenda se instalou, agora é difícil ter certeza absoluta do instante em que a coisa se passou. Certo, certo, é que o Nicas Passarinho já entregara cassetes e CD em tudo o que era editora discográfica e nada. Ninguém queria saber dele. Mas a vontade que o rapaz tinha de triunfar na música era muita e naquela noite estavam no arraial dois ou três repórteres que cartas anónimas suas tinham espicaçado. «Cerca da meia-noite, antes do fogo…», dizia a missiva. E assim foi, no último espectáculo da festa. À hora marcada, com o seu penteado à rockabilly e uma camisa a cintilar de lantejoulas, o Nicas subiu ao palco, arrancou a guitarra eléctrica das mãos de um dos músicos e irrompeu num «Johnny be good» ainda mais faiscante que o do Marty McFly do filme «Regresso ao Futuro». Claro que passou a noite no calabouço da GNR, mas no dia seguinte tinha contrato para a gravação de um disco numa editora do Montijo, o qual vendeu 327 exemplares e que só não teve mais sucesso porque a hora era de hip-hop e não tanto de rock & roll. Ainda por cima com aquele apelido… Mas o anseio cumprira-se. Diz-se que este ano tocará na segunda noite.

Momento 3 – Fogo

Ainda hoje o Manel Palminha se pergunta como o destino foi tão bom para ele. Ia no dia seguinte fazer o mercado do Pinhal Novo e como partia cedo, a fim de arranjar um bom lugar, levou para os Capuchos o carro de caixa aberta já cheio de chouriço, farinheiras e paios, tudo convenientemente coberto com oleados. Deixou o filho na cabine, dizendo-lhe «Olha pela mercadoria, que nunca se sabe» e foi beber uns copos com amigos, antes do fogo. Pouco depois do final do concerto, começaram os rátátás, os fssssssst e os cábuuuns. Colorido intenso, no céu escuro, tudo olhando para o firmamento, carteiristas à coca e em serviço, nisto cai um foguete em quinta próxima, pasto a arder, tudo com medo que tivesse acontecido algo aos cavalos de toureio ali guardados, que relinchavam nas boxes, acompanhados por galinhas cacarejantes, mas era apenas uma delas que tinha pegado fogo e disparara por ali fora, em chamas, só estacando junto à rede virada à estrada para S. Romão, assada e pronta a comer. E foguete seguinte, no carro do vendedor de enchidos, depois de roto o oleado pela ponta da cana afiada e ardente. Um cheiro a chouriço em canasta de barro, toda a gente a aproximar-se do veículo, atraída pelo saboroso odor, e o filho ao telemóvel «Pai, venha já, que isto está a esturricar». Não havia pão, mas a navalha do Palminha cortou mais que muitos pedaços de carne vendida a um euro, mercadoria despachada e gasóleo poupado, da prevista viagem que não se fez. Claro que alguns nacos eram mais tições do que outra coisa. Mas, àquela hora, alguém ligou a isso?...  

Momento 4 – 2006 

E este ano? Decerto acontecerão mil coisas como estas, na festa que afinal tem como mais importante vertente a religiosa, entre muitas outras, de género distinto, para divertida folgança de calipolenses e forasteiros que visitam Vila Viçosa. Que todos se alegrem, em honra dos frades capuchinhos que oferecem o nome ao evento, são os fortes e sinceros desejos da organização.

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